Neste exato momento, Hollywood está passando por um período de extrema falta de criatividade. Não que não existam roteiristas criativos, capazes de gerar ideias originais, mas tanto os estúdios quando as distribuidoras estão preferindo investir em marcas já conhecidas do grande público, pois elas supostamente garantem um retorno financeiro maior.
Foi por este tipo de mentalidade que tivemos um filme dos Minions.
Mas mesmo esta forma de pensar pode render bons frutos uma vez a cada muitas luas. Mais especificamente, um dos chefões do Blue Sky Studios deve ter se lembrado que 2015 seria o 65º aniversário da Turma do Minduim, e que um novo filme estrelado pelos personagens seria uma ótima maneira de celebrá-los, bem como uma forma sábia de investir alguns milhões.
Claro, o dito executivo provavelmente só teve esta ideia porque reparou no moletom de Charlie Brown que o estagiário que ele espancava estava vestindo. Mas isso não vem ao caso.
O que importa é que após muitos anos (35, para ser exato), temos um novo filme estrelado por Charlie Brown e sua gangue, e o resultado desta empreitada é positivo
Na maior parte do tempo.
Na maior parte do tempo.
Visto acima: Um resultado positivo, na maior parte do tempo |
Nossa história começa com as crianças brincando no meio da neve. Charlie Brown, como sempre, está tentando empinar uma pipa, e como sempre, ele fracassa miseravelmente.
Todas as brincadeiras cessam com a aproximação de um caminhão de mudanças. Uma nova criança veio morar no bairro, e é ninguém menos que a garotinha ruiva.
Obviamente, Charlie Brown se apaixona assim que a vê, mas é inseguro demais para tentar ir falar com ela. Seguindo o conselho de Lucy Van Pelt (a psiquiatra local, como todos sabemos), nosso herói decide arriscar em uma série de novas atividades, na tentativa de conseguir chamar a atenção do alvo de seu afeto.
Enquanto isso, Snoopy encontra uma velha máquina de escrever, e decide criar um grande romance narrando as aventuras de seu alter ego, o Ás da Primeira Guerra Mundial, em sua eterna luta contra o temível Barão Vermelho. Claro, a imaginação do beagle também cria um interesse romântico, na figura de uma poodle chamada Fifi.
A história é narrada em pequenos arcos, cada um mostrando uma nova tentativa de sucesso de Charlie Brown, e se alternando com a grande aventura inventada por Snoopy. Tudo devidamente emoldurado com o tema principal, que é a paixonite de Charlie pela garotinha ruiva.
A narrativa é simples, mas eficiente, pois jamais perde seu foco. Mesmo assim, a qualidade da história é um pouco oscilante, com alguns arcos sendo bem mais interessantes que outros. Além disso, o filme recicla ideias das animações clássicas, como o momento em que Charlie Brown precisa ler Guerra e Paz para fazer um relatório escolar, o exato enredo de Feliz Ano Novo Charlie Brown.
O filme também faz uso um pouco excessivo de referências as animações clássicas, o que eu entendo, é algo necessário quando se trabalha com personagens tão icônicos quanto estes. Mas em alguns momentos, isso passa a impressão de que os produtores não tinham confiança no material novo que criaram para a história, e resolveram injetar uma dose extra de nostalgia apenas para se sentirem seguros.
O que é um pena, pois algumas das piadas mais inteligentes do longa, são justamente aquelas que não foram diretamente transferidas do trabalho original de Charles Schulz (a cena em que um jato d’água acerta o Chiqueirinho, por exemplo).
As cenas envolvendo o Ás da Primeira Guerra também são um pouco cansativas, mas esta é a minha opinião. As aventuras do beagle nunca foram minha parte favorita das animações clássicas, e eu creio que isto não mudou com o passar dos anos. Mas elas são muito bem dirigidas e bem feitas, e provavelmente agradarão a garotada, ou mesmo adultos que adoravam ver o cãozinho voando com sua casinha.
Ou atravessando o quintal dos outros como se fosse o Solid Snake |
A melhor coisa deste filme é que não tentaram modernizar os personagens. Se me perguntarem, Peanuts é uma representação perfeita de como era a infância nos Estados Unidos entre as décadas de 1950 e 1960. Uma época mais inocente, quando menininhas podiam abrir barraquinhas de psiquiatria na vizinhança, e vender conselhos por cinco centavos cada.
Alguns momentos foram criados de modo a se tornarem mais palatáveis para as platéias modernas, como a cena da dança, que se assemelha muito ao tipo de coisa que vemos naqueles filmes da Disney onde atores na casa dos 30 se esforçam pra tentar nos convencer de que não há nada de errado em eles ainda estarem no colegial.
Mas fora isso, Charlie Brown não passa o dia todo no iPad, monotonamente passando posts do 9Gag, e quebrando seu marasmo apenas quando decide chamar alguém de “viado”. Não, ele é ativo, empina pipas, e decide praticar arremesso de baseball mesmo fora da temporada de jogos.
Da mesma forma, quando precisa ler Guerra e Paz, ele vai até a biblioteca, encontra o livro e o leva até em casa, ao invés de fazer uma busca no Google e simplesmente copiar o verbete do Wikipedia na hora de fazer seu trabalho.
E quando Patty Pimentinha o telefona, é usando um daqueles velhos aparelhos conectados a parede, em que era preciso usar um disco numérico para se poder ligar para a outra pessoa. Ninguém tem celular aqui.
Agora, acredito que os atuais donos dos personagens (a Peanuts LLC, uma parceria entre o grupo ICON e a família de Charles Schulz) ficou em cima do Blue Sky Studios e da Fox, para garantir que o produto final seria o mais fiel possível aos quadrinhos originais. E graças a Deus que isso aconteceu, pois eu não duvido que um executivo da Fox tenha tido a grande ideia de transformar o Linus no PewDiePie de seu mundo.
Peanuts nãopode ser modernizado, a série tem de se manter do exato jeito que foi concebida. Ela tem de ser uma cápsula do tempo, para mostrar as crianças de hoje, como era a infância, muitas décadas atrás, bem como trazer um gostoso saudosismo a todos aqueles que são velhos o suficiente para lembrar de como era viver em um tempo parecido com o de Charlie Brown.
Linus: Acho que vou fazer uma série sobre Five Nights at Freddie's. Charlie: Não dou a mínima. |
Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, o Filme não é nem de longe ácido como as primeiras tiras de Charles Schulz (sinceramente, nem as animações clássicas conseguiram reproduzir o estilo abrasivo de suas publicações originais), mas faz um excelente trabalho em capturar a essência daquilo que torna seu protagonista tão especial.
Charlie Brown ainda é a pilha de inseguranças e neuroses pelo qual todos nos apaixonamos após todos estes anos. Ele é tímido, ansioso e quando o sucesso pelo qual tanto anseia não vem em sua direção, ele se isola, junto aos pensamentos melancólicos que dominam seu dia-a-dia.
Mas ele tmbém é aquele garoto cujo espírito não pode ser quebrado. Ele vai tentar empinar pipa, não importa quantas vezes fracasse, ele vai continuar liderando um time de baseball, não importa quantos jogos perca, e ele irá enfrentar seus medos e se arriscará com coisas novas, se isso lhe der a chance de conquistar a inalcançável garota de seus sonhos.
Charlie Brown representa a todos nós, naqueles momentos em que o cotidiano nos derruba. Mas ao mesmo tempo, ele nos ensina o quão melhores podemos ser, e que jamais devemos desistir, mesmo quando as pressões da vida parecem insuportáveis.
Mas não apenas isso, o filme nos mostra que Charlie é um bom garoto, e que apesar de nem sempre demonstrarem, seus amigos gostam del. De fato, em uma cena especialmente emocional (que me fez chorar, inclusive), um outro personagem explica a Charles todas as suas qualidades, e porque ele é um amigo que vale a pena ter. Isso nos mostra que em nossos momentos mais baixos, devíamos tentar nos enxergar através dos olhos daqueles que nos amam e admiram, para entendermos nosso real valor.
65 anos, e ainda está nos ensinando lições sobre a vida. Bom trabalho, Minduim.
Nós te amamos, Charlie Brown |
Quando eu era criança, as animações da Turma do Minduim eram exibidas diariamente no SBT, e eu as assistia religiosamente. Mesmo quando já havia decorado todosos diálogos de um episódio, eu me recusava a mudar de canal e deixava o desenho como ruído ambiente. Enquanto eu brincava com meus Comandos em Ação, Charlie Brown, Linus, Lucy e todos os outros me faziam companhia.
Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, O Filme, não é perfeito. De maneira alguma. Mas é inocente, agradável e preservou a alma dos personagens de Charles Schulz. Acredito que sua verdadeira glória virá quando ele finalmente estiver disponível em nossas tevês por assinatura (ou no Netflix), e tivermos a opção de assistí-lo, de novo, de novo e de novo, apenas porque esta opção nos estará disponível.
E mesmo quando já tivermos decorado todas as falas do longa, o deixaremos como ruído ambiente. Para que a querida voz de Charlie Brown nos faça companhia mais uma vez, e espante a avassaladora solidão que a vida moderna muitas vezes nos traz.
E não consigo pensar em um elogio melhor para fazer a este filme.
Que puxa...
Cheers!!!
9 comentários:
Coincidentemente baixei esse filme hoje. Tentei ir vê-lo no Cinema, mas saiu de cartaz aqui na cidade. De fato, espero que o Charlie sempre continue com seu espírito inquebrantável. E sua crítica já me fez gostar do longa.
Em tempo, obrigado por mais um ano, Amer. Você foi uma luz nos momentos mais escuros. Espero que fique bem e continue firme mais este ano. Para mim, você (blog/canal no youtube) são um porto seguro. Mais uma vez, obrigado.
Americano,faz crítica de kodome no jinkan,please
Honestamente, eu esperava outro Garfield ("foda-se o original, é pra crianças então vai ter muita agitação e correria"). Seu post me deu esperança
Assisti o filme na sequencia de Creed: Nascido pra lutar e mas q puxa, gostei demais de ambos, cada um bom a sua maneira, no que se propõe.
Apesar de não ser velh... ter a experiência que vossa senhoria tem, ainda assim acabei lendo várias das tirinhas da turma do minduin, pela qual tenho muito carinho como tenho pro Calvin & Haroldo, e foi impossível não entender as referencias, curtir todo o filme como se tivesse 6~8 anos novamente.
Ou seja: o filme não decepcionou. Fico feliz em ouvir isso
Adorei o filme, na verdade correram algumas lágrimas emocionadas no final.
Para mim o grande "boom" pessoal foi fazer as pazes com a garotinha ruiva. Eu sempre detestei ela, a menina perfeitinha ao cubo.
Como eu sempre shippei o Charlie com a Patty (a tomboy original :) ) me dava mais raiva ainda, pois como muitos caras, ele ficava idolatrando a menina distante no pedestal enquanto tinha outra muito mais real e possível e interessante do lado dele.
Chamo isso de "Sindrome da Garotinha Ruiva".
Mas ver o filme me fez perceber, aos olhos de adulta, que a pobre garotinha ruiva não tinha culpa de todas aquelas expectativas que o Charlie Brown criava para ela. Se eu tinha que ter raiva (ou não, porque timidez é uma merda) é do próprio Charlie.
E quando ela finalmente abre a boca e sai do pedestal, encontrei uma menina fofa que valoriza as pessoas pelo que ela são. Foi muito bom.
ps- Saudades.
ps 2 - Sou meio paranoica, você não ficou chateado com aquela história dos spoilers, né? Aquilo era para rir. Se eu te chateei, desculpas.
Abraços,
Katchiannya/Carol
Não vou dizer que o filme foi uma viagem no tempo em termos de nostalgia, mas foi bem legal. Manter tudo atemporal e simples te dá aquela sensação confortável de que, por mais que o tempo não pare e os problemas só continuem vindo, coisas boas continuam sendo boas. Sabe aquele sentimento de que, por mais que um dia seja corrido, assim que acaba e você finalmente para pra relaxar, tem a sensação de que foi um bom dia apesar de tudo? É como eu me senti sobre o Charlie Brown do filme.
E há o Snoopy. Não sei os outros, mas eu sempre lembrei desse cachorro como um dos maiores e mais clássicos filhos da puta animados já criados (só perdendo, dentro do próprio desenho, para a Lucy). Egoísta, convencido e fanfarrão, acho que a única vez em que ele deu bola pro dono foi quando foi pra casa da Patty e se arrependeu (até hoje esse é um dos únicos episódios que nunca esqueço, depois do Minduin invisível).
No filme...ele ainda é convencido e fanfarrão, mas um pouco menos egoísta e o único que, nos momentos bons e ruins, tá lá pra dar uma força pro Charlie. Achei legal isso. Mesmo as viajadas do beagle escrevendo seu romance foram divertidas, como se ele fosse, sei lá, uma mistura do Doug com o Costelinha. Ser menos babaca fez bem ao beagle.
No mais, é isso. Gostei e aprovei.
Incrível como Charlie Brown e cia ficam bem em 3D. Seria bom se o mesmo pudesse ser dito de outros desenhos, como Simpsons.
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