Crítica do Amer: Shazam

Shazam era exatamente o que eu precisava pra limpar o paladar depois de Aquaman.

Nossa história começa em 1974, ano em que quase aconteceu um golpe de estado em Portugal, algo totalmente não relevante para esta crítica, mas que ache importante mencionar, pois conhecer um pouco de história contemporânea fará bem a vocês. Somos apresentados a Thaddeus Sivana, que está em uma viagem de carro com seu pai lazarento e irmão Chadão, até que o menino é transportado para uma caverna mágica e vê-se diante de um velho mágico.

Não, “caverna mágica” não é um eufemismo para “furgão velho” e “velho mágico” não se refere a “velho tarado da vizinhança”, é mágica no sentido literal, e o velho (Djimon Houson) é um feiticeiro que passou séculos atrás de um jovem puro de coração, que pudesse herdar seus poderes e tornar-se seu campeão da justiça. Sivana quase foi este jovem, mas enquanto estava na caverna, ouviu as vozes dos sete pecados capitais e quase caiu na tentação de libertá-los. O mago então percebeu que o guri era um imprestável lafranhudo que cresceria pra se tornar fã do Felipe Neto e o mandou de volta para o carro de sua família, onde ele teve um chilique e causou um acidente que aleijou seu pai.

Cortamos então para o tempo presente, onde conhecemos Billy Batson (Asher Angel), resudente de orfanato que já fugiu dezenas de vezes na tentativa de encontrar sua mãe verdadeira, porque mesmo destinado a ser um super-herói, sua motivação ainda não difere da de uma mocinha de novela mexicana. Enfim, Billy é eventualmente colocado em um lar com o grupo de crianças mais etnicamente diverso de todos os tempos, que estão sob os cuidados de um casal que é tão bonzinho e adorável que eles podiam concorrer a vaga de Papai e Mamãe Noel caso os dois resolvam se aposentar em um futuro próximo.

Pois bem, Freddy, um dos novos irmãos de Billy, sofre bullying constante na escola. Um dia, após defendê-lo dos valentões, o menino é perseguido por eles até o metrô e vai parar na caverna mágica do velho mágico, que o escolhe para ser seu novo campeão. Tudo que o menino precisa fazer é gritar “SHAZAM”, e será transformado em um chadão voador e elétrico (Zachary Levi).

Enquanto isso, Sivana, agora adulto (Mark Strong) consegue libertar os sete pecados capitais e torna-se hospedeiro deles. Um embate entre o lanfranhudo careca e o bonitão do bem é inevitável, porque este é um filme de super-herói e não podemos terminar a história sem que ao menos um cenário seja destruido em uma troca de porradas colossal.

É a lei.

Todo o elenco é brilhante, especialmente considerando que grande parte do elenco é infantil, e nem sempre temos os melhores resultados vindos de atores em idade escolar.

Asher Angel é perfeito como Billy Batson, que aqui é uma amálgama da versão clássica ultra-otimista do personagem, e sua interpretação mais cínica pós-Novos 52. Ele foi machucado pela vida e é meio agressivo e isolado, mas não é um cretino absoluto como nos quadrinhos mais modernos. Asher transmite bem como funciona a cabeça desse garoto que é genuinamente bom, só precisa aprender isso.

Já Zachary Levi parece ter nascido para interpretar Shazam, pois há uma sinceridade legítima na forma como ele dá vida ao papel. É muito fácil acreditar que por trás daquele sujeito musculoso de quase dois metros, existe na verdade um guri de 14 anos empolgado ao descobrir que tem super poderes.

A família adotiva de Billy também é adorável.O elenco não possui uma química tão perfeita como em Os Goonies (mas aí também, é querer demais), mas eles trabalham bem o suficiente para transmitirem uma sensação de camaradagem. Os irmãos não recebem muito tempo de tela para serem desenvolvidos individualmente (afinal, essa é a história do Billy), mas possuem personalidade o bastante para serem marcantes: Mary é a mais velha e está em dúvida se quer deixar a família pra ir pra faculdade, Eugene é gamer e CDF, Freddy é obcecado por heróis, Pedro é tímido e Darla é basicamente a filha caçula de Meu Malvado Favorito em versão Live Action.  Não super complexos, mas muito fáceis de se gostar.

Finalmente, Mark Strong é incrível como Thaddeus Sivana, mas isso era esperado, porque ele sempre é perfeito ao interpretar o bandido do filme. De fato, sempre achei que ele cairia como uma luva no papel do Sr. Frio, caso decidissem ressuscitar o personagem para um futuro filme do Batman. Bom, este é o segundo trabalho de Strong como um vilão DC (ele foi o Sinestro em Lanterna Verde), então quem sabe ele não é escalado pra bater de frente com o Cedrico no futuro?

E já que estou sonhando, eu gostaria de ver John Hamm como Duas Caras, Wilem Dafoe como Coringa e Paul Heyman como Pinguim.

Me contrata, Hollywood!

Shazam foi dirigido por David F. Sandberg, que entre outras coisas, foi responsável por Anabelle 2: A Criação do Mal.

Sim, também fiquei chocado ao descobrir, mas de repente tudo fez sentido, pois Shazam me lembrou muito dos filmes que eu assistia na minha infância, nos distantes anos 1980. Vocês sabem do que estou falando, produções como o já mencionado Os Goonies, Deu a Louca nos Monstros, A História sem Fim, O Cristal Encantado, histórias que não tinham medo de confrontar a garotada com monstros, morte ou situações de perigo extremo. Diabos, se existiu uma cena que traumatizou minha geração, foi a do cavalo do Atreyu afundando na areia movediça.

Crianças odeiam ser tratadas como crianças, mas também não estão prontas para as realidades duras da vida adulta. Os filmes infantis da minha época davam vislumbres dos perigos reais que infestavam o mundo, mas tudo sempre bem temperado com doses de aventura e humor. Tudo tem de ser uma grande brincadeira, mas não é preciso acolchoar todos os cantos da casa, pois é bom que crianças se machuquem enquanto brincam para aprenderem seus limites.

O que eu quero dizer com essa metáfora é que Shazam não trata seu público infantil como idiota. O diretor não agiu como a maioria dos adultos modernos, que acreditam que super proteger crianças é a melhor forma de prepará-las para a vida, e criou uma obra com monstros horrendos e violência suficiente para marcarem a garotada, sem fazer com que saiam chorando do cinema.

É uma lição que a Hasbro devia ter aprendido em 1986 ao fazer seus filmes de Transformers e G.I Joe.

O diretor também soube dosar bem o humor na história. Seria muito fácil entupir o filme de piadinhas fora de hora, numa tentativa de emular o sucesso das produções da Marvel, mas não é o que acontece aqui. Sandberg deu uma energia jovial ao longa, com um humor adequado, que se baseia principalmente no relacionamento de Billy e Freddy, mas sem jamais minimizar o conflito da história.

Por falar em conflito, Sivana é possivelmente o segundo melhor vilão em um filme de super-heróis, perdendo apenas para o Thanos. A história começa com ele, e o sujeito tem um arco e uma motivação muito bem definidas. Quando comparamos aos tradicionais antagonistas da Marvel, que existem apenas porque o herói precisa bater em alguém no ato 3 da história, é inegável o quilate do oponente do Capitão Marvel.

Perdão! Shazam! “Capitão Marvel” agora pertence exclusivamente a Marvel. Já fazem anos e eu ainda não me acostumei a isso.

Bom, já que falei nisso, Shazam tem mais bunda que a Brie Larson.

Não me odeie por eu falar a verdade.

Shazam é o melhor filme que a DC lançou até agora. É diversão despretensiosa e inocente, uma história de amadurecimento, sobre um menino que está tentando descobrir se lugar no mundo e que por acaso ganha super poderes no processo.

Além de tudo isso, é um filme deliciosamente cafona, com um herói que veste um traje vermelho berrante com um relâmpago no tórax. Shazam vai tão na contramão de tudo que é considerado “marketável” pelos executivos das mega-corporações, que é incrível que o personagem tenha ganho um filme sem ser drasticamente alterado para ser mais “radical”, e agradeço a Deus por isso.

No atual momento, em que o mundo está pegando fogo, com insanidade, censura e violência brotando de todos os lados, precisamos de algo inocente e bobinho que nos tire um pouco do caos da vida real. Sei que Shazam foi lançado já tem um tempo, mas fico feliz por ter demorado tanto pra assistir, pois eu precisava muito de uma história bobinha e divertida sobre amizade, justiça e família.

Acho que todos precisamos um pouco de um pouco mais de otimismo no momento.

Cheers!!!